Mandinga
escondida
Texto de Tatiana Rocha
Nas
minhas mãos, a mandinga escondida.
Adormecida
entre os perfumes dos óleos, existia uma intenção.
Três
ervas fortes exalavam o cheiro e meus dedos, besuntados
de creme, estavam prontos. O buquê entrava em meu nariz,
invadia o quarto como um cheiro das noites quentes de
primavera.
Tire
a camisa e deite, eu disse.
No
chão, minhas pernas cruzadas ficavam a poucos milímetros
de sua cabeça e eu podia tocar seu rosto, seu pescoço,
ombros e uma parte do peito. Só isso.
Enfiei
meus dedos naquele lugar, na nuca, ali onde nascem os
cabelos e vasculhei, nas tensões da carne, onde doía.
Puxei seus cabelos para cima e apalpei o couro cabeludo
firmemente.
Meus
dedos escorregavam devagar pelo estreito vale do pescoço,
deslizavam por um ombro grande e rijo e apertavam aquele
ponto sobre os ombros, aquele pontinho dolorido. Seu gemido
de dor me causava prazer. E, sadicamente, minha palma
pressionava ainda mais, levando para o braço o que, em
algum momento, foi tensão.
Meus
olhos fechados viam com os dedos. Ali havia medo.
Relaxe,
eu disse. Solte o corpo. Confie.
Mais
creme. Mais mandinga.
Suspira
e eu sorvo seu ar. Mais uma vez. Seu hálito em minha boca
distante. Aperto as carnes como quem amassa argila nova
nas mãos.
Minhas
mãos são os olhos de Deus.
De
trás das orelhas, eu descia percorrendo um caminho que
passava pela lateral do pescoço, ombros, bíceps, seus
pêlos molhados e perfumados, seu braço apoiado em meu
peito e sua mão em minhas mãos. Quase uma dança. Quase
um bailado solitário. Do pescoço até às pontas dos dedos,
em um único movimento lento.
Seus
olhos cerrados. Uma expressão eventual de desconforto.
Seus olhos fechados. Meus olhos fechados enquanto meus
dedos entrelaçavam nos dele. Palma se esfregava à outra
palma. O calor do atrito. Meus dedos se enfiando entre
os dedos dele. Ele gemia baixinho e minha mão aliviava.
-
Dói?
-
Sim, dói.
Sua
expressão era deliciosamente masoquista.
O
outro ombro. Mais um braço, A outra mão. Mais dança e
ele quase que não fala mais. Murmura. Geme baixinho. Seus
olhos fechados em outro mundo e eram as minhas mãos que
o conduzia pelos labirintos do seu corpo. Perdeu a vontade
de resistir, perdeu o medo, e simplesmente se entregou
a mim.
Eu
sorria.
Na
minha testa, uma película de suor . Tudo que saía dele
passava por mim, por minhas mãos, meus braços, meu peito,
descia por minha barriga, rodopiava no meu umbigo e escorria
para o chão.
Eu
sorria de olhos fechados e mãos meladas.
Viro
o resto do creme em minhas mãos e as coloco espalmadas
sobre seu peito. O calor das mãos paradas em seu peito.
O cheiro das ervas entrando em mim e nele. Nossos olhos
fechados. As batidas suaves de seu coração. O cheiro das
ervas me fazendo relaxar também.
As
omoplatas juntavam um restinho de creme que, delicadamente,
eu espalhava com um dedo solitário. Naquela depressão,
descansava meus polegares invasores.
MANDINGA
ESCONDIDA
Mãos
abertas apertando os músculos do peito em movimentos circulares.
Em volta de cada mamilo, uma nova trilha. Meus seios quase
roçando em seu rosto. Eu deslizava sobre ele, escorria
nele, meus dedos entrando na pele, círculos imensos no
seu corpo. Agora acabou, murmuro baixinho.
Mais
baixinho ainda o ouço dizer: não pára.
Minhas
mãos são como saias ciganas rodando sobre ele. Sem força.
Sem direção. Um leve toque, uma asa de borboleta tocando
a carne lânguida.
Ele
ressonava.
Minhas
mãos passeando pelas costelas nuas e frias. Um deslizar
de dedos. Seus mamilos arrepiados me pediam para parar,
apontando setas em direção dos meus olhos abertos.
Dormiu
a noite toda, no chão, ao lado de minha cama e eu só ouvia
seu ressonar largado.
E
enquanto dormia, o resto do meu corpo queimava.
Sozinho.