Esquecer?
Acho que não...
Texto de Tatiana Rocha
04 de janeiro de 2007
Encontrei
várias pessoas que falavam de um grande amor, daqueles
que fizeram tremer as pernas, amor de arroubos, de loucura,
de perdição. Amores que mudam a vida, que explodem o peito
e sangram até a alma. Todas essas pessoas sofriam muito
pensando se algum dia teriam outro amor como esse que
viveram.
Eu
tive um amor desses, sofri com estas mesmas perguntas.
Ficava imaginando eu velhinha, sentada em uma cadeira
de balanço, fazendo meu croché e pensando na saudade que
aquele homem me dava, lembrando daquelas mãos em mim,
aquele mesmo de tanto tempo atrás, e me dava um medo,
um terror de nunca mais esquecer aquilo tudo, de nunca
mais poder deixar outro homem se aproximar de mim, outro
homem me beijar, me tocar. Eu tinha um encosto em forma
de amor grudado em minhas costas!
E
essa visão era aterradora.
Passei
nove meses absolutamente sozinha, sem permitir que ninguém
segurasse minha mão, não era possível dar essa intimidade
a outro alguém quando eu estava tão cheia dele, tão possuída
por seu cheiro que parecia me perseguir, em cada roupa
dele lavada mil vezes e ainda guardada em minha gaveta,
ainda ali, no meio do cheiro novo de sabão, ainda havia
o cheiro dele pregado em meu nariz. Como dormir com outro
homem? Impossível. Impensável.
Me
apavorava a visão de minha solidão absoluta, presa ainda
em um tempo e em um sentimento que já não era mais do
agora. Era passado. Eu morreria presa nos braços do passado.
Uma
noite juntei todas as coisas que eram dele, que foram
dadas por ele, fotos, cartas, tudo, tudo amontoado no
meu quintal, um litro de álcool, um palito de fósforo
e a imensa labareda queimando meu passado. Eu ajoelhada
no chão chorando tanto que parecia que eu estava em um
funeral viking, ele tava ali, morto, e eu queimava o corpo
despedaçado do meu amor que se foi. O anel derretendo
e pingando no chão. Aquele vestido dado com tanto amor
queimando e chiando. Fotos se contorcendo de sofrimento.
Me doía a alma tanto fogo.
Mas
eu não podia queimar meu peito, meu coração não podia
ser colocado no meio da fogueira. O que estava de fora
eu destruía, como se a ausência de provas materiais aliviasse
o que ainda carregava em mim, mas era mentira porque a
amor não some assim.
Eu
pedi. Pedi aos céus que me tirassem aquilo do peito porque
estava difícil de caminhar, estava me pesando, aquele
amor imenso tomava espaço para eu ser eu outra vez, porque
aquele amor todo me fazia outra pessoa, uma outra pessoa
que era uma mistura dele e de mim, não era mais só eu.
E que me esfriasse as carnes porque lembrar dele era lembrar
de loucura, de delírios, de caminhos molhados, de lágrimas
com dedos agarrados, era lembrar de meu corpo o tempo
todo e ter consciência do corpo, dos desejos por um corpo
que não estava mais do meu lado era por demais dolorido.
Eu
mais que pedi. Eu implorei.
E
como tudo que se pede da forma que eu pedi, um pedido
tão sincero de alma, uma súplica daquelas, não fui ignorada.
Outro
homem apareceu e me olhou de uma forma que me fez ter
coragem de fechar aquela porta do passado. Deitar em seus
braços foi como profanar o sagrado do meu amor. Perdi
a santidade da mulher que ama exclusivamente um único
homem e assim me libertei daquela prisão dos sentidos.
Foi
bom. Não divino como era com ele, mas foi bom. Muito melhor
do que eu imaginava que poderia ser porque para mim meu
corpo tinha se fechado para todo o mundo, meu corpo era
um traidor, um cúmplice dele, um escroto que tinha me
abandonado e seguido dentro do ônibus quando ele se foi
pela última vez. A definitiva vez.
Era
um engano meu.
Meu
corpo se esqueceu dele. E meu coração logo depois foi
deixando de doer tanto, ficava uma dorzinha lá no fundo,
uma nostalgia, uma saudade implícita em tudo que eu fazia,
mas o tempo foi apagando as cores daquele tempo. Até que
não doeu mais.
Mas
ele tá aqui. Como um vírus de alguma doença, um sarampo
de alma, que eu sofri mas que nunca mais sofrerei outra
vez. Não daquela forma porque cada amor imenso desses
é um tipo de vírus. Posso pegar catapora, rubéola, mas
sarampo de amor, esse nunca mais.
Um
amor desses não some, não morre. Um grande amor nunca
morre, só fica quardado em um lugar distante dentro da
gente.
Eu
gosto de pensar que o meu está dentro de um lindo baú,
trancado com correntes e um grande cadeado, lá no porão
de minha alma, juntando poeira, sendo coberto pelas teias
do tempo, tá adormecido, tá hibernado, mas não está morto.
Não
existe um beijo que desperte, uma mão que abra o baú porque
a chave eu queimei naquela noite em meu quintal, quando
eu pedi aos céus que me libertassem daquele tormento.
Não
quero esquecer dele.
Só
quero nunca mais lembrar.