TEXTOS & INÉDITAS
 

Amor de musicista
Texto de Tatiana Rocha

Queria eu que você pudesse soar dentro de mim. Por dentro de mim você retumbaria e me tremeria os cristais mais uma vez.

Queria ter teus olhos dentro de mim. Eu sou uma partitura, uma cifra, uma nota escondida. Teu ar dentro de mim. Sou sax, flauta ou oboé. Preenche minha ausência.

Teus dedos dentro de mim. Tamborim ripinica, dobrando a levada, piano drogado de fim de noite, baixo de quatro, cinco, seis cordas. Sola as notas do meu violão, lá no alto, nos agudos tons do meu violão, rápido e preciso faz suas escalas, mas me escala também porque eu posso ser cuíca gemendo na sua mão.

Queria você todo dentro de mim. Sinfônica dramática, maestro sacudindo os braços, descabelado, possuído e possuindo. O êxtase da orquestra toda em nós. Dança em mim, meu amor. Pisa em mim, teus pés em mim, me afagando as costas. Teus pés imensos e pesados marcando o meu ritmo e eu sentindo a tua vibração dentro de mim. Marca no meu chão o compasso do baião, maracatu, coco e ciranda, marca mesmo, com força o teu compasso-macho porque eu sei ser piso-fêmea.

Canta pra mim, canta? Tua boca esquentando a minha. Me tira o fôlego com tua língua. Me lambe com a tua voz grave. Deixa a tua melodia se fundir com minha harmonia, trançando um jazz ou gemendo um blues, mas deixa em mim a tua nota sussurrada dentro de minha garganta. Um cânone. Um mantra. Um repente rápido e de improviso. Improvisa em mim mais uma vez.

Me toca, me toca como se eu fosse harpa, me toca forte como se eu fosse alfaia, me toca em sustenido e bemol, mas não pára de tocar em mim que eu te dou meus tons mais altos ou profundos. Me toca de forma breve ou semi breve. Toca em mim em semi-colcheia. Me toca nos contra-tempos, em todos os tempos. Nos três por três e nos três por quatro. Me toca de quatro que eu te dou em sete natural, orgânico. Eu te dou em ritmo quebrado e você me junta todinha. Mas não pára de me tocar jamais.

Mas você não está e eu sou uma imensidão só. Eu sou uma possibilidade do eco. Nada em mim quando você está fora. Sou teatro vazio cheirando a saudade.

E já cansei de ser silêncio.

 

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Última atualização em 07 de outubro de 2009