A
Zécutiva e o Guarda
Texto de Tatiana Rocha
Eu
trabalho de dia vestida de Zé. Zécutiva. Salto alto, maquiagem,
pastinha e celular sempre ligado. Arrumadíssima para causar
boa impressão. E não é fácil ficar alinhada em um calor
dos infernos e manter a elegância quando se caminha em
ruas de pedras desniveladas. Só quem usa salto é que sabe.
Fui
eu pegar meu velho computador na loja que fica no centro
e é um horror estacionar o carro por ali. Mas, por milagre,
bem ali na frente da loja tinha uma vaguinha minúscula.
Tinha que colocar o cartão de estacionamento, mas eu tinha
certeza que seria rápido e eu sairia antes de dar qualquer
problema.
Tô
lá fazendo cheque quando vejo o filha da puta do guarda
motoqueiro pegando a canetinha e prestes a me dar uma
multa.
Saio
esbaforida, o monitor pesado pra caramba nos braços, correndo
com os joelhos meios dobrados, berrando:
-
Seu guarda, não faz isso não! Não faz isso não!
Ele
me olha com aquele olhar que guarda sabe dar, aquele olhar
de vou te prender, sua delinqüente.
Aí
eu percebi que o guarda era bem do ajeitadinho. Uma beleza
de guarda pra falar a verdade. Uns olhões verdes que eram
uma coisa, aquele uniforme, e as botas. Sou tarada por
bota de policial!
Não
sei se foi a surpresa de perceber que o guarda era um
puta de um homem que - ai só comigo que isso acontece
- que meu salto ficou preso entre as pedras da calçada.
Eu fui e a sandália ficou. Sai escorregando pela rua,
o peso do monitor me empurrando para baixo, a saia prendendo
entre as pernas e fui cair no colo do moço. A moto quase
cai, o cara me segura com aqueles maravilhosos braços
fortes e torneados firmando todo o peso do meu corpo,
do monitor, da moto e dele mesmo nas pernas. Que pernas,
por sinal, que pernas! Duas! Uma beleza!
Parecia
cena de filme romântico C! E aquela cara de mau? Me deu
uma vontade de gritar Rim Tim Tim, sei lá porque. Ele
era tão viril quanto o Vigilante Rodoviário! Um pecado
de guarda!
O
galante protetor das senhoras desceu da moto, foi em direção
de minha sandália presa e vigorosamente, tirou ela do
chão e colocou no meu delicado pezinho 38 que nem de Cinderela
dá para passar.
E
eu segurando o monitor! Eu ainda segurando o monitor!
-
Minha Senhora, seu carro está em lugar que precisa cartão
de estacionamento - fala enquanto cavalga outra vez a
moto. Uma loucura aquilo.
Acho
que tive uma crise de piscação involuntária, pisquei tanto
pro guarda que deu até câimbra!
-Mas
é só um instantezinho, pra pegar o computador...
E
aí eu desatei a falar, acho que de nervoso. Falei do blog
que eu precisava atualizar, dos meus e-mail's acumulados,
logo agora que o cd saiu, sim isso mesmo, eu cantava ,
mas só cantava MPB, você gosta de MPB? E tinha gente que
conversava comigo pelo computador e eu não podia ficar
sem, por isso parei ali, aí a sandália prendeu, aliás,
muito obrigada pela gentileza, já não se calçam sandálias
ultimamente, aliás, nunca calçaram as minhas, quer dizer,
meu filho pequeno as vezes calça, mas ele não conta, né?
Mil perdões e acho que eu manchei seu uniforme de batom
vermelho, tua mulher vai te matar, ah, não tem mulher,
muito melhor então, quer dizer, quem vai limpar agora,
né, mas tem aquele produto, aquele rosa que limpa tudo
eu comprei, custou uma nota mas vale à pena, vale investir
um pouco naquele branco total rosa, né?
Falei,
falei, falei sem parar!
E
ele calado, só me olhando. Acho que chocado com tanta
maluquice!
Aí
eu perdi a chave do carro, perdi no buraco negro da bolsa.
E segura monitor, apóia na coxa, quadril no carro, vasculha
a bolsa, e ele só me olhando, a bolsa escorrega, ele desce
da moto, o celular cai no chão e eu fico mais nervosa,
tem gente juntando do outro lado da rua para ver a confusão
que eu to fazendo, ele vem e segura o monitor com aquele
bíceps que putaquepariu, devia ser proibido cobrir um
braço daquele, eu acho a chave, abro a porta, acerto o
monitor e quase acerto as partes pudentas do moço com
a porta, fico ainda mais nervosa e esqueço de colocar
o monitor dentro do carro, volto correndo para a loja
, pego a torre do computador e o guarda segurando ainda
o monitor, entro no carro, piso em um cd, quebro a caixinha,
pego o monitor, coloco no carro, sento no carro e dou
um cd para ele ( aquele mesmo que eu quebrei a caixa)
e digo que ele deveria ouvir para diminuir o estresse
do dia a dia. E que lá tem meu e-mail e se ele gostar,
me escrevesse porque eu agora podia responder, afinal,
fui pegar o computador para isso, né?
Saio
com o carro sem dar pisca e quase derrubando a moto, o
coração descompensado e sem colocar o cinto.
Não
sei se me multou, mas pelo retrovisor vi ele colocando
o cd dentro da camisa e eu não acreditei que eu dei mole
pra um guarda de trânsito.
É
o fim do mundo.