Língua
afinada: entrevista com Zuza Homem de Mello
Silvana Guaiume
http://www.cpopular.com.br/metropole
Sem
perdão: o musicólogo Zuza Homem de Mello diz que o grande
público se acostumou a ouvir música ruim
Zuza
Homem de Mello não evita confronto. Separa com distinção
a música descartável da música de qualidade. Afirma que
o público se “nivelou por baixo” e se acostumou com o “resíduo
cultural duvidoso” da indústria dos megahits que vêm, vão
e não deixam lembrança.
Musicólogo,
estudou contrabaixo em Nova York na década de 50 e conheceu
astros de primeira grandeza do jazz. Tem uma foto no seu
estúdio em Indaiatuba de uma leva de estrelas reunidas.
A imagem é a mesma que o personagem de Tom Hanks carrega
no filme O Terminal. “Alguns são meus amigos”, aponta a
foto, sem alarde.
Escreveu
Música Popular Brasileira - Período da Bossa Nova aos Festivais
e coordenou a Enciclopédia da Música Brasileira. Hoje divide-se
entre duas casas, em Indaiatuba e São Paulo. Mantém estúdios
nos dois locais.
Sobre
Campinas, cidade que adora e freqüenta, diz: “Os campineiros
nem sempre se dão conta da superioridade da qualidade de
vida em relação a São Paulo”.
Metrópole
- Como o Interior se posiciona no cenário da música brasileira?
Zuza Homem de Mello - Sempre foi um importante campo de
trabalho para músicos brasileiros. Dois artistas deslancharam
suas carreiras no Interior. Milton Nascimento promoveu turnês,
principalmente junto ao público universitário, na década
de 1970, e daí para a frente explodiu na vendagem de discos.
Elis Regina rodou o Interior inteiro de ônibus. Muitos artistas
vêm para a região e acabam almoçando aqui em casa.
Sua
casa em Indaiatuba é um quartel-general da música no Interior?
Todos vêm aqui. Minha mulher Ercília faz um belíssimo almoço.
No Verão, fico aqui, venho em dezembro e só vou embora depois
do Carnaval. No resto do tempo, quando não estou viajando,
divido-me entre Indaiatuba, para onde venho na quinta e
fico até segunda de manhã, e São Paulo.
Os
almoços têm um prato especial?
Tem sim. É o rijsttafel, um prato asiático à base de coco,
rapadura, frango em lascas, arroz e molho picante.
O
senhor freqüenta Campinas?
Muito. Adoro Campinas. Os campineiros nem sempre se dão
conta da superioridade da qualidade de vida sobre São Paulo.
Campinas é bonita, arborizada. A Norte-Sul lembra uma região
de Dallas (EUA), próxima ao riacho Turtle Creek.
A
que lugares o senhor gosta de ir?
Gosto muito dos restaurantes La Pasta Gialla, Le Troquet
e Bellini. Também gosto do Seo Rosinha e do Cenarinho. Acho
ótimos os malls Ventura e Gramado. A Red é uma casa de shows
muito bem montada. O Centro de Convivência Cultural ficou
muito bonito depois da reforma. E acho fantástico o projeto
cultural da CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz).
O
senhor tem projetos para a região?
Coordeno um projeto musical na CPFL, todos os domingos,
de março a dezembro. No ano passado, fui curador de dois
módulos, que chamei de Antítese do Mau Gosto, com artistas
menos conhecidos, mas muito bons. Este ano, serei coordenador
dos módulos.
Como
o senhor define a MPB hoje?
Há duas vertentes, que não têm muita relação. Uma é a dos
megashows, que deixam um resíduo cultural duvidoso. São
os artistas que estão na mídia com megahits e fazem os shows
para serem vistos. São shows caros que desviam a atenção
do público, para dar a impressão de qualidade. O espetáculo
é maravilhoso, mas é oco como uma casca de coco. Outra vertente
é a dos artistas estáveis que não dependem dos hits e que
são sempre bem recebidos.
Não
há renovação na música?
Existe, mas os artistas que hoje correspondem aos grandes
nomes da música brasileira não têm espaço na televisão,
não tocam no rádio.
Falta
interesse do público em conhecê-los?
Também temos duas vertentes de público. Quem adora Zezé
di Camargo e Luciano detesta quem adora Tom Jobim e vice-versa.
Um tem qualidade e outro, não. Toda a obra de Zezé di Camargo
e Luciano não vale um compasso do Tom Jobim.
O
público que gosta de megahit nunca vai gostar de bossa nova?
O público tem capacidade de apreciar um trabalho de qualidade,
mas está cada vez mais nivelado por baixo.
Qual
o caminho para os novos e bons artistas mostrarem seus trabalhos?
Os canais fechados de televisão.
A
música brasileira continua evoluindo?
Com muita rapidez. A música brasileira tem uma grande capacidade
de mutação. Mas nem tudo tem consistência necessária para
vingar.
Qual
foi o último grande movimento da MPB?
A era dos festivais, com os filhos da bossa. Em São Paulo
teve o Lira Paulistana, que não se tornou movimento porque
se circunscreveu à cidade e não atingiu o Rio de Janeiro.
Na época, o rock brasileiro abafou o Lira Paulistana.
Há
algum nome despontando na região?
Em Campinas há um pianista muito bom, o Marcelo Onofri.
Tem também o baixista Gilberto de Sillos, o violinista Ernani
Teixeira, o guitarrista Marcelo Modesto e a cantora Tatiana
Rocha. A Unicamp sempre foi um grande fomentador da
música brasileira.
Qual
o seu acervo hoje?
Tenho 10 mil LPs. Os CDs eu não sei, porque ainda não consegui
organizar o acervo.
Quais
seus planos para este ano, além do projeto em Campinas?
Vou lançar um livro, ainda este semestre, que tem o subtítulo
Ensaios e Memórias. São oito capítulos entre ensaios e memórias.
Sobre
quais assuntos?
Um dos ensaios é sobre contrabaixo, instrumento que eu toco.
Num dos artigos de memórias relembro os bastidores da época
em que contratei artistas para se apresentar no Teatro Record,
de 1959 a 1963, como Nat King Cole, Ella Fitzgerald, Sammy
Davis Jr. e Marlene Dietrich. Tem também um ensaio sobre
o jazz em Nova York nos anos 1950 e ainda sobre as orquestras
brasileiras entre os anos 1920 e 1950, que comecei a escrever
em 1973. É um livro muito rico.
Conte
um pouco mais sobre os bastidores do Teatro Record, do jazz
em Nova York e das orquestras brasileiras.
Conto. Quando você voltar para me entrevistar sobre o lançamento
do livro, eu conto.
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